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sábado, 6 de fevereiro de 2010

Cartas a Uma Ditadura

Os equívocos da História
No cinema português, se há coisa que eu receie é o documentário histórico. Sabem porquê? Porque nós, em geral, somos analfabetos em História, essa História que nos últimos dois séculos foi chulada por todos os regimes
Rodrigues da Silva
15:19 Sexta-feira, 29 de Jan de 2010

No cinema português, se há coisa que eu receie é o documentário histórico. Sabem porquê? Porque nós, em geral, somos analfabetos em História, essa História que nos últimos dois séculos foi chulada por todos os regimes (do vetusto constitucionalismo monárquico à actual democracia republicana, passando pelo luso-fascismo), o que levou a que ela, por assim dizer, perdesse o crédito. Assim sendo e apesar das melhores intenções do documentarista, um documentário histórico português ou é muito bem contextualizado, ou arrisca-se a confundir em vez de esclarecer.

Cartas a Uma Ditadura, de Inês de Medeiros, Melhor Filme Português do DocLisboa 2006, tanto esclarece quanto confunde. O ponto de partida é um achado (achado, no sentido literal): uma centena de cartas, escritas por mulheres portuguesas em 1958, em resposta a uma circular emanada de um Movimento Nacional das Mulheres Portuguesas que não se sabia ter existido. Mas existiu, de facto, conforme estas cartas, encontradas há anos num alfarrabista, o documentam. Dirigido provavelmente por mulheres de uma elite social afecta ao regime, o tal Movimento, através de vários canais postos ao seu dispor, terá tentado criar uma rede feminina "de apoio de retaguarda" a Salazar.

Nestes termos, a primeira coisa que o filme devia ter feito era, pois, contextualizar este Movimento no seu tempo, o que teria permitido perceber que, pretensamente espontâneo, ele visava responder ao perigo Humberto Delgado, surgido nesse ano de 1958, o das célebres eleições presidenciais burladas pelo regime.

O filme alude a isto, mas a meio, não no início. Porque no início o que vemos é uma imensa manifestação de mulheres de apoio a Salazar. Só que não se diz que tal manifestação ocorreu no final da II Guerra (1945), o que leva a estabelecer um nexo de continuidade entre a manifestação e as cartas (de 1958). Nada de mais falso, porque se no imediato pós-guerra Salazar (por Portugal ter sido poupado aos horrores do conflito) teve algum apoio de massas, uma década e pouco depois (devido à fractura causada pelas eleições) isso já não acontecia. E é decerto porque não acontecia que surge este Movimento Nacional das Mulheres Portuguesas, telecomandado sabe-se lá por quem, mas sem grandes efeitos práticos. Não é por acaso que nalgumas cartas há mulheres que dizem que sim, que apoiam Salazar e o Movimento, sem tempo para mais, porém, porque têm de ganhar a vida a trabalhar.

O abismo entre as anónimas autoras da circular e algumas bases a que se dirigem é notório. Não em termos ideológicos (chamemos-lhe assim), mas nos do real quotidiano. O que, 50 anos depois, continua patente: entre algumas tias e a ti Belmira, o discurso diverge como do dia para a noite.

O filme teria ganho, aliás, em explorar visualmente este filão, opondo os dois universos femininos em contraste, em lugar de, por mais duas vezes, ter feito um uso abusivo de documentários de época: casos da manifestação de apoio a Salazar em Braga (em 1936, no 10.º aniversário do 28 de Maio) e da inauguração do Estádio Nacional (em 1942). O que é que qualquer deles tem a ver com as cartas de 1958? Absolutamente nada, e, metidos no filme, sem indicação sequer das datas, só baralham.

Tudo isto parte de um equívoco: o de que a História se pode fazer apenas com documentos. Ora, não pode: os documentos são necessários (indispensáveis até), mas não suficientes. Porque sem um estudo estruturante que os enquadre não passam de material avulso, em bruto. O mesmo se pode dizer das fontes orais: para a História são um documento precioso, sobre o qual importa, no entanto, lançar um filtro crítico. O que neste caso não acontece: as autoras das cartas, confrontadas, meio século depois, com o que escreveram, têm respostas obviamente contraditórias. E não faz o menor sentido perguntar-lhes hoje o que significam para elas as palavras "democracia" e "ditadura".

Um filme inútil, este Cartas a Uma Ditadura? Não: um filme útil... para quem já sabe alguma coisinha do nosso passado recente. Porque quem não sabe é bem capaz de ficar na mesma, eventualmente com maior repugnância pelo salazarismo, que, no entanto e muito à portuguesa, nem saberá ao certo quando é que ocorreu, situando-o assim "no tempo dos Cabrais". As reportagens sobre o nosso saber da História pátria, divulgadas via TV no último 25 de Abril, são elucidativas. Estão, aliás, em perfeita consonância com o generalizado desinteresse pela pátria política, manifestado, numa sondagem, pela maioria dos jovens.

Diga-se, contudo, que o cinema (mesmo o documental) não tem de ser pedagógico e muito menos de se substituir à Escola. E, em última análise, a culpa de Portugal ser historicamente analfabeto e o povinho mais iletrado da União Europeia não é a da Inês de Medeiros. A culpa é... É de quem não digo. Trinta e quatro anos depois do 25 de Abril, já não vale a pena. Como pregava a Mocidade Portuguesa ("patriótica organização" que em 1958 ainda mexia): "Lá vamos/cantando e rindo/ levados/ levados, sim." 

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Maria Rita Kehl estreia como cronista no 'Caderno 2'

Psicanalista e escritora vai assinar coluna quinzenal aos sábados, dividindo espaço com Marcelo Rubens Paiva

Raquel Cozer, de O Estado de S. Paulo



Maria Rita Kehl: "Gostaria de aprender a fazer crônicas. É um gênero belíssimo"

Paulo Pinto/AE

Maria Rita Kehl: "Gostaria de aprender a fazer crônicas. É um gênero belíssimo"
SÃO PAULO - "Eu brinco que, hoje em dia, em 40 linhas consigo escrever até sobre física nuclear", diz a psicanalista, ensaísta e poeta Maria Rita Kehl, de 58 anos, que a partir de amanhã assinará uma coluna a cada dois sábados no Caderno 2, do Estado, em um revezamento com Marcelo Rubens Paiva. A escritora Adriana Falcão, que alternava o espaço com o colunista, deixará de escrever sua coluna para se dedicar a projetos pessoais e profissionais.



Veja também:

forum Leia mais artigos no site de Maria Rita Kehl



As 40 linhas a que Maria Rita Kehl se refere dizem respeito ao aprendizado de seus primeiros anos de vida profissional, no início da década de 70, quando ainda cursava psicologia na Universidade de São Paulo (USP). Era esse o espaço que ela tinha para escrever em cada edição do Jornal do Bairro, então comandado pelo escritor Raduan Nassar, e no qual fazia desde reportagens sobre as mães que viviam na porta da Febem (atual Fundação Casa) até resenhas de volumes de filosofia.



Desde então, a paulista nascida em Campinas e criada na capital fez um caminho entre o jornalismo e a psicanálise. Depois de dois anos no Jornal do Bairro, no qual aprendeu fundamentos de reportagem com Nassar e o editor José Carlos Abbate, passou a trabalhar como editora de cultura no periódico Movimento - que, ao lado do Opinião e d’O Pasquim, foi um dos mais importantes órgãos da imprensa alternativa durante o regime militar. Participou também da fundação do jornal Em Tempo e escreveu como freelancer para veículos como Veja, Isto É e Folha de S. Paulo.



Após anos de dedicação exclusiva ao jornalismo cultural, Kehl decidiu, em 1979, cursar um mestrado. Optou pela área de psicologia social, embora sua tese, O Papel da Rede Globo e das Novelas da Globo em Domesticar o Brasil Durante a Ditadura Militar, tivesse uma forte ligação com o jornalismo.



Apenas depois dessa volta aos estudos Maria Rita Kehl se interessou pela ideia de exercer a profissão na qual se formara - ela havia optado pelo jornalismo durante a faculdade justamente porque, "naqueles anos mais repressivos da ditadura, com professores cassados e professores fugidos, o ensino na psicologia estava muito ruim".



Em 1981, começou a atender pacientes - e nunca mais parou. A experiência em sua área de formação a levou ainda, em 1997, a doutorar-se em psicanálise pela PUC-SP, com pesquisa que resultou no livro Deslocamentos do Feminino - A Mulher Freudiana na Passagem para a Modernidade (Imago, 1998).



Embora o título seja sobre psicologia, Kehl vê nele uma "marca dos tempos de jornalismo". "É psicanálise, mas com uma abordagem diferente. É uma investigação que não é nem exatamente de uma historiadora, nem de psicanalista, sobre quem foi a mulher freudiana, a mulher que Freud conheceu no século 19. E uma avaliação de o que naquela teoria está atual e o que não está mais. Acredito que, ao longo da carreira, desenvolvi essa característica de ser mais ensaísta que acadêmica", afirma.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Kassab teve 33% de doações ilegais em 2008, diz perícia

Laudo mostra risco de perda de mandato do prefeito paulistano em 1ª instância.

Juiz responsável por ação adota como critério cassar quem teve mais de 20% de contribuições de doadores vedadas pela Promotoria.


Por: FLÁVIO FERREIRA.
DA REPORTAGEM LOCAL.


Um parecer técnico contábil da Justiça Eleitoral de São Paulo indica que 33% do total arrecadado pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), na campanha eleitoral de 2008 teve origem em fontes de doações consideradas ilegais pelo Ministério Público Eleitoral.
O laudo, concluído em outubro e obtido pela Folha, indica o risco de que Kassab seja condenado em primeira instância à perda do cargo. Em casos semelhantes, o juiz Aloísio Silveira, responsável pela ação, cassou o mandato de 16 vereadores da capital. Ele tem adotado como critério para condenar à perda de mandato contas de campanha que apresentem mais de 20% dos recursos provenientes de fontes vedadas.
A execução de sentença contra os vereadores foi suspensa até que os recursos deles sejam julgados em 2ª instância pela Justiça Eleitoral de São Paulo.
A data ainda não foi marcada. Avisado pelos assessores sobre o risco de condenação, Kassab já desistiu da possibilidade de uma vitória em primeira instância e aposta suas fichas no Tribunal Regional Eleitoral.
Em maio do ano passado, o promotor eleitoral da capital Maurício Antonio Lopes apresentou à Justiça representações para promover a revisão e a rejeição das contas dos candidatos Kassab, Marta Suplicy (PT) e Geraldo Alckmin (PSDB) e de vereadores eleitos. Pareceres semelhantes foram elaborados em setembro passado para as representações contra Marta e Alckmin. O laudo relativo à petista indica que ela teria recebido R$ 3,8 milhões de fontes apontadas como ilegais pela Promotoria.
O levantamento sobre as contas de Alckmin aponta o recebimento de R$ 2,1 milhões de doadores impedidos pela legislação segundo os critérios da promotoria. Nos dois casos os valores não ultrapassam os 20% de doações de fontes vedadas, usados como critério de condenação pelo juiz Silveira.

Fontes vedadas
Na representação contra o prefeito, o promotor indicou três tipos de fontes de doação que seriam ilegais. A primeira é a AIB (Associação Imobiliária Brasileira), entidade que, segundo Lopes, funcionou como fachada do Secovi (sindicato do setor imobiliário) para fazer doações a políticos.
Pela legislação, as entidades sindicais não podem fazer contribuições eleitorais. O Secovi nega qualquer vínculo com as doações.
O parecer da Justiça Eleitoral aponta que, segundo os critérios do Ministério Público paulista, a AIB doou ilegalmente R$ 2,7 milhões para Kassab.
Para a Promotoria, também foram fontes ilegais de recursos construtoras que são acionistas de concessionárias de serviços públicos. A lei proíbe as concessionárias de realizarem contribuições para as campanhas.
De acordo com o promotor, as empresas "não são diretamente concessionárias de serviços públicos, mas apenas integrantes, acionistas, investidoras, associadas em consórcio ou sob a forma de holding ou conglomerado econômico que, em derradeira análise, seriam os concessionários diretos".
São apontadas na representação as empreiteiras Camargo Corrêa, OAS, Serveng Silvisan, CR Almeida, Carioca Christiani Nielsen, S.A. Paulista e Engeform. O levantamento da Justiça Eleitoral conclui que o total das doações dessas companhias foi de R$ 6,8 milhões.
Outro doador considerado ilegal pelo promotor foi o Banco Itaú S.A. De acordo com a representação, ele não poderia fazer contribuições ao então candidato Kassab porque a Prefeitura de São Paulo efetua pagamentos para parte dos funcionários pelo banco.
Em 2008, a instituição financeira doou R$ 550 mil para a campanha do atual prefeito, segundo o laudo da Justiça.
Fonte: http://clipping.tse.gov.br/noticias/2010/Fev/3/kassab-teve-33-de-doacoes-ilegais-em-2008-diz.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

PT entra com representação no Ministério Público contra Serra.

Por: Fernando Taquari
SÃO PAULO - A bancada do PT na Assembleia Legislativa de São Paulo entrou com uma representação no Ministério Público contra o governador José Serra, pré-candidato do PSDB nas eleições de outubro.

O líder petista na Casa, deputado Rui Falcão, pede que que sejam apuradas suspeitas de "ilegalidade, inconstitucionalidade e improbidade" da gestão tucana no combate às enchentes.

A denúncia, encaminhada no dia 26 de janeiro ao Procurador-Geral de Justiça, Fernando Grella Vieira, acusa Serra de ter reduzido os recursos para o combate às enchentes, ao mesmo tempo em que aumentou a verba destinada à publicidade oficial do governo.

Depois de 42 dias consecutivos de chuvas, o estado de São Paulo contabiliza 70 mortos e 25,7 mil desalojados, de acordo com dados divulgados hoje pela Defesa Civil.

"Não se trata de obra ou castigo de Deus, de efeitos do aquecimento global ou de resultado de inversões climáticas. Trata-se de má gestão e de omissão criminosa praticadas pelo governador José Serra", disparou Falcão.

O deputado se refere à decisão do governo estadual de reduzir em 20% as verbas destinadas ao combate às enchentes. Em 2009, estavam previstos R$ 252 milhões para essa finalidade, enquanto que neste ano o Orçamento do estado está estimado em R$ 200 milhões.

Falcão acusou Serra de desviar os recursos da enchentes para a publicidade do governo paulista de olho nas eleições presidenciais. Já o tucano têm atribuído o problema das enchentes ao ano atípico em termos de chuvas.

A assessoria de imprensa do governador se limitou a informar que Serra não recebeu a representação e por isso ainda não se manifestou.

"Os números revelam que será cortado quase o dobro do valor dos atuais contratos para desassoreamento da calha do Rio Tietê, que somam R$ 27,2 milhões. Se com os valores atuais o resultado é o visto, imagine-se com um corte que é o dobro dos valores atuais", disse Falcão.

O orçamento do estado, acrescenta o petista, também prevê menos investimentos em serviços e obras complementares da Bacia do Alto Tietê. Segundo ele, o corte proposto para 2010 é de 61%.

Portugal há 100 anos


Portugal há 100 anos
A próxima edição, totalmente dedicada aos últimos anos da Monarquia, estará já à venda com a VISÃO da próxima semana, a 4 de Fevereiro

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

La aprobación de Bachelet alcanza 85% y la de Lula 81%

BY EL CLARIN DE HOJE
15:32|Las encuestas realizadas en el mes de enero demuestran que ambos presidentes, próximos a terminar sus mandatos, cuentan con una altísima popularidad. El caso de Bachelet llama la atención en vista de la derrota del candidato oficialista que aspiraba a sucederla.
MAS INFORMACION
Lula retoma la actividad presidencial tras el pico de presión
Los dos mandatarios salientes de Chile y Brasil alcanzaron una popularidad superior al 80%, de acuerdo con las más recientes encuestas realizadas en ambos países.

La presidenta chilena, Michelle Bachelet alcanzó en enero una aprobación del 85% a pesar de la derrota que sufrió su partido de la Concertación en las más recientes elecciones presidenciales.

La consultora Adimark-GFK informó que el 95% de los encuestados considera que la presidenta es "querida por los chilenos" y un 88% considera que es creíble.

Según aclaró el jefe de Estudios Públicos de Adimark, Roberto Izikson, las cifras muestran que Bachelet "ha logrado una rara sintonía personal con la población". Pero además explicó que "el liderazgo de Bachelet no descansa en el liderazgo tradicional político sino personal, basado en una conexión con la opinión pública, por su estrategia de la protección social y cómo se comunica con la gente".

De esta medición también sale bien librado el gobierno de Bachelete, al alcanzar un 65 por ciento de aprobación entre los encuestados.

Por su parte, el mandatario brasileño, Luiz Inácio Lula da Silva, se ubicó en las encuestas con un 81,7% de aprobación del desempeño, de acuerdo con los datos suministrados por la consultora Sensus.

Para el presidente de Sensus, Ricardo Guedes, "la popularidad del presidente Lula y su gobierno continúa en alta, lo que puede se explicado de nuevo como consecuencia de los buenos números de la economía, los resultados positivos de las políticas sociales del gobierno y el alto índice de empleo''.

Este fuerte apoyo de los encuestados a Lula parece que ha permeado a la secretaria general de su gobierno, Dilma Rousseff, a quien el presidente quiere postular como su sucesora.

La ministra Rousseff ya cuenta con el 27,8 por ciento de apoyo frente al 33,2 por ciento del opositor José Serra, gobernador del estado de Sao Paulo. Hace algunos meses, las encuestas daban a Serra más de 40% de intenciones de voto mientras Rousseff apenas llegaba al 15%.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

O pronunciamento que o presidente Lula faria em Davos

Lido pelo Chanceler Celso Amorim.

“Minhas senhoras e meus senhores,

Em primeiro lugar, agradeço o prêmio “Estadista Global” que vocês
estão me concedendo.

Nos últimos meses, tenho recebido alguns dos prêmios e títulos mais
importantes da minha vida.

Com toda sinceridade, sei que não é exatamente a mim que estão
premiando – mas ao Brasil e ao esforço do povo brasileiro. Isso me
deixa ainda mais feliz e honrado.

Recebo este prêmio, portanto, em nome do Brasil e do povo do meu país.
Este prêmio nos alegra, mas, especialmente, nos alerta para a grande
responsabilidade que temos.

Ele aumenta minha responsabilidade como governante, e a
responsabilidade do meu país como ator cada vez mais ativo e presente
no cenário mundial.
Tenho visto, em várias publicações internacionais, que o Brasil está
na moda. Permitam-me dizer que se trata de um termo simpático, porém
inapropriado.
O modismo é coisa fugaz, passageira. E o Brasil quer e será ator
permanente no cenário do novo mundo.

O Brasil, porém, não quer ser um destaque novo em um mundo velho. A
voz brasileira quer proclamar, em alto e bom som, que é possível
construir um mundo novo.

O Brasil quer ajudar a construir este novo mundo, que todos nós
sabemos, não apenas é possível,mas dramaticamente necessário, como
ficou claro, na recente crise financeira internacional – mesmo para os
que não gostam de mudanças.

Meus senhores e minhas senhoras,

O olhar do mundo hoje, para o Brasil, é muito diferente daquele, de
sete anos atrás, quando estive pela primeira vez em Davos.

Naquela época, sentíamos que o mundo nos olhava mais com dúvida do que
esperança. O mundo temia pelo futuro do Brasil, porque não sabia o
rumo exato que nosso país tomaria sob a liderança de um operário, sem
diploma universitário, nascido politicamente no seio da esquerda
sindical.

Meu olhar para o mundo, na época, era o contrário do que o mundo tinha
para o Brasil. Eu acreditava, que assim como o Brasil estava mudando,
o mundo também pudesse mudar.

No meu discurso de 2003, eu disse, aqui em Davos, que o Brasil iria
trabalhar para reduzir as disparidades econômicas e sociais,
aprofundar a democracia política, garantir as liberdades públicas e
promover, ativamente, os direitos humanos.

Iria, ao mesmo tempo, lutar para acabar sua dependência das
instituições internacionais de crédito e buscar uma inserção mais
ativa e soberana na comunidade das nações.
Frisei, entre outras coisas, a necessidade de construção de uma nova
ordem econômica internacional, mais justa e democrática.
E comentei que a construção desta nova ordem não seria apenas um ato
de generosidade, mas, principalmente, uma atitude de inteligência
política.

Ponderei ainda que a paz não era só um objetivo moral, mas um
imperativo de racionalidade. E que não bastava apenas proclamar os
valores do humanismo. Era necessário fazer com que eles prevalecessem,
verdadeiramente, nas relações entre os países e os povos.

Sete anos depois, eu posso olhar nos olhos de cada um de vocês – e,
mais que isso, nos olhos do meu povo – e dizer que o Brasil, mesmo com
todas as dificuldades, fez a sua parte. Fez o que prometeu.

Neste período, 31 milhões de brasileiros entraram na classe média e 20
milhões saíram do estágio de pobreza absoluta. Pagamos toda nossa
dívida externa e hoje, em lugar de sermos devedores, somos credores do
FMI.

Nossas reservas internacionais pularam de 38 bilhões para cerca de 240
bilhões de dólares. Temos fronteiras com 10 países e não nos
envolvemos em um só conflito com nossos vizinhos. Diminuímos,
consideravelmente, as agressões ao meio ambiente. Temos e estamos
consolidando uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, e
estamos caminhando para nos tornar a quinta economia mundial.

Posso dizer, com humildade e realismo, que ainda precisamos avançar
muito. Mas ninguém pode negar que o Brasil melhorou.

O fato é que Brasil não apenas venceu o desafio de crescer
economicamente e incluir socialmente, como provou, aos céticos, que a
melhor política de desenvolvimento é o combate à pobreza.

Historicamente, quase todos governantes brasileiros governaram apenas
para um terço da população. Para eles, o resto era peso, estorvo,
carga.

Falavam em arrumar a casa. Mas como é possível arrumar um país
deixando dois terços de sua população fora dos benefícios do progresso
e da civilização?

Alguma casa fica de pé, se o pai e a mãe relegam ao abandono os filhos
mais fracos, e concentram toda atenção nos filhos mais fortes e mais
bem aquinhoados pela sorte?

É claro que não. Uma casa assim será uma casa frágil, dividida pelo
ressentimento e pela insegurança, onde os irmãos se vêem como inimigos
e não como membros da mesma família.

Nós concluímos o contrário: que só havia sentido em governar, se fosse
governar para todos. E mostramos que aquilo que, tradicionalmente, era
considerado estorvo, era, na verdade, força, reserva, energia para
crescer.

Incorporar os mais fracos e os mais necessitados à economia e às
políticas públicas não era apenas algo moralmente correto. Era,
também, politicamente indispensável e economicamente acertado. Porque
só arrumam a casa, o pai e a mãe que olham para todos, não deixam que
os mais fortes esbulhem os mais fracos, nem aceitam que os mais fracos
conformem-se com a submissão e com a injustiça. Uma casa só é forte
quando é de todos – e nela todos encontram abrigo, oportunidades e
esperanças.

Por isso, apostamos na ampliação do mercado interno e no
aproveitamento de todas as nossas potencialidades. Hoje, há mais
Brasil para mais brasileiros. Com isso, fortalecemos a economia,
ampliamos a qualidade de vida do nosso povo, reforçamos a democracia,
aumentamos nossa auto-estima e amplificamos nossa voz no mundo.

Minhas senhoras e meus senhores,

O que aconteceu com o mundo nos últimos sete anos? Podemos dizer que o
mundo, igual ao Brasil, também melhorou?

Não faço esta pergunta com soberba. Nem para provocar comparações
vantajosas em favor do Brasil.

Faço esta pergunta com humildade, como cidadão do mundo, que tem sua
parcela de responsabilidade no que sucedeu – e no que possa vir a
suceder com a humanidade e com o nosso planeta.

Pergunto: podemos dizer que, nos últimos sete anos, o mundo caminhou
no rumo da diminuição das desigualdades, das guerras, dos conflitos,
das tragédias e da pobreza?
Podemos dizer que caminhou, mais vigorosamente, em direção a um modelo
de respeito ao ser humano e ao meio ambiente?

Podemos dizer que interrompeu a marcha da insensatez, que tantas vezes
parece nos encaminhar para o abismo social, para o abismo ambiental,
para o abismo político e para o abismo moral?

Posso imaginar a resposta sincera que sai do coração de cada um de
vocês, porque sinto a mesma perplexidade e a mesma frustração com o
mundo em que vivemos.

E nós todos, sem exceção, temos uma parcela de responsabilidade nisso tudo.

Nos últimos anos, continuamos sacudidos por guerras absurdas.
Continuamos destruindo o meio-ambiente. Continuamos assistindo, com
compaixão hipócrita, a miséria e a morte assumirem proporções
dantescas na África. Continuamos vendo, passivamente, aumentar os
campos de refugiados pelo mundo afora.

E vimos, com susto e medo, mas sem que a lição tenha sido corretamente
aprendida, para onde a especulação financeira pode nos levar.

Sim, porque continuam muitos dos terríveis efeitos da crise financeira
internacional, e não vemos nenhum sinal, mais concreto, de que esta
crise tenha servido para que repensássemos a ordem econômica mundial,
seus métodos, sua pobre ética e seus processos anacrônicos.

Pergunto: quantas crises serão necessárias para mudarmos de atitude?
Quantas hecatombes financeiras teremos condições de suportar até que
decidamos fazer o óbvio e o mais correto?

Quantos graus de aquecimento global, quanto degelo, quanto
desmatamento e desequilíbrios ecológicos serão necessários para que
tomemos a firme decisão de salvar o planeta?

Meus senhores e minhas senhoras,

Vendo os efeitos pavorosos da tragédia do Haiti, também pergunto:
quantos Haitis serão necessários para que deixemos de buscar remédios
tardios e soluções improvisadas, ao calor do remorso?

Todos nós sabemos que a tragédia do Haiti foi causada por dois tipos
de terremotos: o que sacudiu Porto Príncipe, no início deste mês, com
a força de 30 bombas atômicas, e o outro, lento e silencioso, que vem
corroendo suas entranhas há alguns séculos.

Para este outro terremoto, o mundo fechou os olhos e os ouvidos. Como
continua de olhos e ouvidos fechados para o terremoto silencioso que
destrói comunidades inteiras na África, na Ásia, na Europa Oriental e
nos países mais pobres das Américas.

Será necessário que o terremoto social traga seu epicentro para as
grandes metrópoles européias e norte-americanas para que possamos
tomar soluções mais definitivas?

Um antigo presidente brasileiro dizia, do alto de sua aristocrática
arrogância, que a questão social era uma questão de polícia.

Será que não é isso que, de forma sutil e sofisticada, muitos países
ricos dizem até hoje, quando perseguem, reprimem e discriminam os
imigrantes, quando insistem num jogo em que tantos perdem e só poucos
ganham?

Por que não fazermos um jogo em que todos possam ganhar, mesmo que em
quantidades diversas, mas que ninguém perca no essencial?

O que existe de impossível nisso? Por que não caminharmos nessa
direção, de forma consciente e deliberada e não empurrados por crises,
por guerras e por tragédias? Será que a humanidade só pode aprender
pelo caminho do sofrimento e do rugir de forças descontroladas?

Outro mundo e outro caminho são possíveis. Basta que queiramos. E
precisamos fazer isso enquanto é tempo.

Meus senhores e minhas senhoras,

Gostaria de repetir que a melhor política de desenvolvimento é o
combate à pobreza. Esta também é uma das melhores receitas para a paz.
E aprendemos, no ano passado, que é também um poderoso escudo contra
crise.

Esta lição que o Brasil aprendeu, vale para qualquer parte do mundo,
rica ou pobre.

Isso significa ampliar oportunidades, aumentar a produtividade,
ampliar mercado e fortalecer a economia. Isso significa mudar as
mentalidades e as relações. Isso significa criar fábricas de emprego e
de cidadania.

Só fomos bem sucedidos nessas tarefas porque recuperamos o papel do
Estado como indutor do desenvolvimento e não nos deixamos aprisionar
em armadilhas teóricas – ou políticas – equivocadas sobre o verdadeiro
papel do estado.

Nos últimos sete anos, o Brasil criou quase 12 milhões de empregos
formais. Em 2009, quando a maioria dos países viu diminuir os postos
de trabalhos, tivemos um saldo positivo de cerca de um milhão de novos
empregos.

O Brasil foi um dos últimos países a entrar na crise e um dos
primeiros a sair. Por que? Porque tínhamos reorganizado a economia com
fundamentos sólidos, com base no crescimento, na estabilidade, na
produtividade, num sistema financeiro saudável, no acesso ao crédito e
na inclusão social.
E quando os efeitos da crise começaram a nos alcançar, reforçamos, sem
titubear, os fundamentos do nosso modelo e demos ênfase à ampliação do
crédito, à redução de impostos e ao estímulo do consumo.

Na crise ficou provado, mais uma vez, que são os pequenos que estão
construindo a economia de gigante do Brasil.

Este talvez seja o principal motivo do sucesso do Brasil: acreditar e
apoiar o povo, os mais fracos e os pequenos. Na verdade, não estamos
inventando a roda. Foi com esta força motriz que Roosevelt recuperou a
economia americana depois da grande crise de 1929. E foi com ela que o
Brasil venceu preventivamente a última crise internacional.

Mas, nos últimos sete anos, nunca agimos de forma improvisada. A gente
sabia para onde queria caminhar. Organizamos a economia sem bravatas e
sem sustos, mas com um foco muito claro: crescer com estabilidade e
com inclusão.

Implantamos o maior programa de transferência de renda do mundo, o
Bolsa Família, que hoje beneficia mais de 12 milhões de famílias. E
lançamos, ao mesmo tempo, o Programa de Aceleração do Crescimento, o
PAC, maior conjunto de obras simultâneas nas áreas de infra-estrutura
e logística da história do país, no qual já foram investidos 213
bilhões de dólares e que alcançará, no final do ano de 2010, um
montante de 343 bilhões.

Volto ao ponto central: estivemos sempre atentos às politicas
macro-econômicas, mas jamais nos limitamos às grandes linhas. Tivemos
a obsessão de destravar a máquina da economia, sempre olhando para os
mais necessitados, aumentando o poder de compra e o acesso ao crédito
da maioria dos brasileiros.

Criamos, por exemplo, grandes programas de infra-estrutura social
voltados exclusivamente para as camadas mais pobres. É o caso do
programa Luz para Todos, que levou energia elétrica, no campo, para 12
milhões de pessoas e se mostrou um grande propulsor de bem estar e um
forte ativador da economia.

Por exemplo: para levar energia elétrica a 2 milhões e 200 mil
residências rurais, utilizamos 906 mil quilômetros de cabo, o
suficiente para dar 21 voltas em torno do planeta Terra. Em
contrapartida, estas famílias que passaram a ter energia elétrica em
suas casas, compraram 1,5 milhão de televisores, 1,4 milhão de
geladeiras e quantidades enormes de outros equipamentos.

As diversas linhas de microcrédito que criamos, seja para a produção,
seja para o consumo, tiveram igualmente grande efeito multiplicador. E
ensinaram aos capitalistas brasileiros que não existe capitalismo sem
crédito.

Para que vocês tenham uma idéia, apenas com a modalidade de “crédito
consignado”, que tem como garantia o contracheque dos trabalhadores e
aposentados, chegamos a fazer girar na economia mais 100 bilhões de
reais por mês. As pessoas tomam empréstimos de 50 dólares, 80 dólares
para comprar roupas, material escolar, etc, e isto ajuda ativar
profundamente a economia.

Minhas senhoras e meus senhores,

Os desafios enfrentados, agora, pelo mundo são muito maiores do que os
enfrentados pelo Brasil.

Com mudanças de prioridades e rearranjos de modelos, o governo
brasileiro está conseguindo impor um novo ritmo de desenvolvimento ao
nosso país.

O mundo, porém, necessita de mudanças mais profundas e mais complexas.
E elas ficarão ainda mais difíceis quanto mais tempo deixarmos passar
e quanto mais oportunidades jogarmos fora.

O encontro do clima, em Copenhague, é um exemplo disso. Ali a
humanidade perdeu uma grande oportunidade de avançar, com rapidez, em
defesa do meio-ambiente.

Por isso cobramos que cheguemos com o espírito desarmado, no próximo
encontro, no México, e que encontremos saídas concretas para o grave
problema do aquecimento global.

A crise financeira também mostrou que é preciso uma mudança profunda
na ordem econômica, que privilegie a produção e não a especulação.

Um modelo, como todos sabem, onde o sistema financeiro esteja a
serviço do setor produtivo e onde haja regulações claras para evitar
riscos absurdos e excessivos.

Mas tudo isso são sintomas de uma crise mais profunda, e da
necessidade de o mundo encontrar um novo caminho, livre dos velhos
modelos e das velhas ideologias.

É hora de re-inventarmos o mundo e suas instituições. Por que ficarmos
atrelados a modelos gestados em tempos e realidades tão diversas das
que vivemos? O mundo tem que recuperar sua capacidade de criar e de
sonhar.

Não podemos retardar soluções que apontam para uma melhor governança
mundial, onde governos e nações trabalhem em favor de toda a
humanidade.

Precisamos de um novo papel para os governos. E digo que,
paradoxalmente, este novo papel é o mais antigo deles: é a recuperação
do papel de governar.

Nós fomos eleitos para governar e temos que governar. Mas temos que
governar com criatividade e justiça. E fazer isso já, antes que seja
tarde.

Não sou apocalíptico, nem estou anunciando o fim do mundo. Estou
lançando um brado de otimismo. E dizendo que, mais que nunca, temos
nossos destinos em nossas mãos.

E toda vez que mãos humanas misturam sonho, criatividade, amor,
coragem e justiça elas conseguem realizar a tarefa divina de construir
um novo mundo e uma nova humanidade.

Muito obrigado.”