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sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

SERGIO SANTANNA POR OVERMUNDO

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1Tacilda Aquino · Goiânia, GO
25/2/2007 · 183 · 5
No ano passado, "zapeando” os canais de TV, me deparei com a figura de Sérgio Sant’Anna numa entrevista em que falava de seu livro O Vôo da Madrugada. Fiquei ligada na conversa, que peguei pela metade, mas que despertou meu interesse por conhecer o autor mais profundamente. Na manhã seguinte não resisti e procurei informações sobre ele na Net e é claro, encontrei seu e-mail. Não resisti, escrevi falando que tinha visto a entrevista e tinha prometido a mim mesma a comprar o livro para ler e que, depois de lê-lo, gostaria de conversar com ele novamente. Talvez fazendo uma entrevista para o Jornal do Cerrado, da Universidade Estadual de Goiás (http://www.ueg.br), que tem uma edição eletrônica. Escrevi o e-mail assim, como se fosse metade jornalista e metade fã. Sérgio foi super simpático. Disse que estava viajando para o interior de São Paulo para visitar uma filha e que devia ficar por lá uma semana. Mas que eu podia mandar as perguntas que ele me responderia.

Uma semana e O Vôo da Madrugada "devorado", escrevi para o Sérgio, perguntando se ele se lembrava de mim e reforçando meu desejo de entrevistá-lo. Mandei as perguntas pela manhã, ainda no jornal e, para minha surpresa, quando cheguei em casa, por volta das 15 horas, ele já tinha respondido minhas perguntas.Sem me aprofundar muito em analisar o livro, reproduzo abaixo a conversa com Sérgio e aproveito o espaço para agradecer de público a sua simpatia. A seguir a entrevista, publicada originalmente no Jornal do Cerrado.


Prosa com a força da melhor poesia

O mundo só é verdadeiramente vivido quando pode ser narrado. Este bem podia ser o mote da obra de Sérgio Sant'Anna, escritor que, desde a sua estréia com O Sobrevivente, em 1969 (que lhe valeu a participação no International Writing Program, da Universidade de Iowa, EUA), vem quebrando regras, ampliando contornos, questionando agudamente os limites do conto, em busca de uma nova experiência do narrar. Um dos melhores escritores brasileiros da atualidade, Sérgio Sant’Anna, embora já tenha publicado poesia, peças de teatro, novelas e romances, se considera um contista. E foi justamente o livro de contos O Vôo da Madrugada que me levou a entrevistar o escritor carioca que já teve alguns de seus trabalhos levados às telas de cinema. O livro em questão valeu a seu autor o prêmio Jabuti e nele Sérgio Sant'Anna constrói uma escrita da busca apresentando ao leitor contos concisos em sua estrutura, mas que se bifurcam em múltiplas leituras.

Como a literatura se beneficia da transposição de suas obras para a tela? Ela ajuda a vender cópias de suas obras, por exemplo?

No caso de A Senhorita Simpson – Bossa Nova não houve benefício algum, até porque a história que o Bruno (Barreto) filmou quase não tem a ver com minha novela. Não me identifico nem um pouco com o filme. Já Crime Delicado, de Beto Brant, adaptado de meu romance Um Crime Delicado, além de ser um filme belo e perturbador, tem muita coisa em comum com o livro, com o seu espírito, é claro que com algumas diferenças. A crítica, em geral, tem sido extremamente favorável à obra de Brant e sua equipe. A Companhia das Letras lançou uma nova edição junto com o lançamento do filme e, pelo que sei, está vendendo bem. Também no festival de Sundance, nos Estados Unidos, no final de janeiro do ano passado ( 2005), havia um filme, La muerte es pequeña, adaptado de um conto meu, Estranhos (incluído em meu Contos e Novelas Reunidos), e filmado por Fellipe Barbosa, um jovem de vinte e cinco anos que estuda na Columbia University, Nova York. Um ótimo curta-metragem.

Você ficou seis anos sem publicar. Foi esse tempo que você levou para escrever Vôo da Madrugada ou fez outras obras neste período?

Eu demoro mesmo muito tempo para escrever, não tenho pressa. E os contos foram saindo muito devagar. E no meio desses seis anos, trabalhei numa reedição de meu livro de poemas, Junk Box, uma máquina de versejar, lançado pela Dubolso, MG, com belíssima programação visual e ilustrações de Sebastião Nunes.

O Vôo da Madruga tem certos contos que parecem exemplares da tão propagada literatura fantástica apreciada pelos autores latino-americanos. Você os escreveu conscientemente ou eles foram sendo criados instintivamente?

Na verdade não gosto de literatura fantástica, e pelo que me lembro apenas o conto título, O Vôo da Madrugada, além de A Barca na Noite, têm essa característica. Mas talvez essa impressão tenha sido causada pelo tema da morte e pode ser que eu tenha me esquecido de algum conto que possa se enquadrar no gênero. Mas é um gênero que não cultivo. Fui apenas seguindo a minha luz.

O conto que dá título ao livro impressiona pela incursão que você faz à alma do personagem e da sua tremenda e desesperada solidão. A bela que viaja ao lado dele na madrugada é fruto desta solidão? Ou ela realmente esteve lá?

Deixei em aberto essa questão da identidade da mulher. Talvez eu não goste do termo fantástico porque está muito ligado a um estereótipo latino-americano. Digamos que esse conto tem a ver com as histórias extraordinárias de Edgar Allan Poe, um autor que aprecio muito.

O Vôo da Madrugada tem os mais diversos tipos de personagens. No entanto, a gente percebe pontos comuns entre eles, como as obsessões com temas como morte e angústias. São suas obsessões que você transporta para os personagens?

Esse foi um livro particularmente cheio de angústias e obsessões com a morte. A morte como tema esteve muito presente na primeira parte do livro. Já na parte final, a que mais gosto, Três textos do olhar, é Eros que predomina, a arte, a visualidade, a paixão pela figura da mulher.

O que lhe dá mais prazer escrever: romance, contos? Como você avalia as limitações dos romances nacionais atualmente? Ou isso é mera análise do mercado editorial, ou seja, das próprias editoras?

Eu gosto mais de escrever contos, porque estão mais de acordo com certas experimentações com a linguagem que gosto de fazer. Gosto também de histórias de tamanho médio, e atualmente rascunho uns três que têm esse formato. Aliás, publiquei dois livros com esse formato de histórias de tamanho médio: Breve História do Espírito e O Monstro, ambos pela Companhia das Letras. E, decididamente, não sou um cara de escrever romances longos, com muitos personagens. Nem posso dizer se há crise do gênero romance no Brasil, não parei para pensar sobre isso.

Quais são os principais recursos de um ficcionista? O que não pode faltar em uma boa obra de ficção?

Penso que não podem faltar a imaginação e o trabalho com a linguagem.

Lendo O Vôo da Madrugada a gente tem a impressão de que você está tentando exorcizar alguma coisa... Talvez uma fase da carreira literária para dar início a uma outra. Isso é verdade, quer dizer, você faz exorcismo pessoal no livro?

Eu não sei se quis exorcizar alguma coisa, escrevi o que havia em mim. Mas algo é certo: o que estou escrevendo neste preciso momento é muito diferente de O Vôo da Madrugada. Até porque o humor está de novo muito presente, como em outros livros meus, ainda que, várias vezes, humor negro. Em O vôo..., esse humor (negro) está presente principalmente na novela O Gorila.

Alguns de seus personagens fictícios se apresentam como narradores, tomando a pena nas próprias mãos e escrevendo seus relatos. Noutras vezes, você parece se expor apresentando-se como o contista e dando um tom íntimo, por assim dizer, ao texto. Como é fazer essa transição?

Na ficção o narrador é muitas e muitas vezes um personagem. Falar na primeira pessoa não quer dizer que a pessoa está escrevendo uma história real. Às vezes o autor pode até esconder com a terceira pessoa um acontecimento real. Quando eu me refiro ao contista, creio que estou me referindo a mim mesmo na terceira pessoa. O que não quer dizer que eu tenha de ser absolutamente fiel à realidade. Uma das coisas boas da ficção é que você pode inventar o que quiser, até um outro eu para você.

Fiquei muito impressionada como Um Conto Abstrato, que você apresenta como "Um conto de palavras que valessem mais por sua modulação que por seu significado". Como é isso? E qual a diferença entre Um Conto Abstrato e Um conto obscuro?

Eu sempre quis escrever um conto abstrato. Um conto formal e bonito, em que as palavras tivessem o peso que as notas têm na música. Talvez seja o conto que eu mais goste na primeira parte do livro. A frase que você escreveu na pergunta define bem o conto. Já Um conto obscuro são muitos temas, que vão surgindo na história, ligados, creio, por um fio poético.

Dá para você fazer uma análise mais profunda de uma afirmação sua, que dá conta de que a literatura não é capaz de interferir imediatamente na realidade. Ela lida com a realidade em médio e longo prazo, criando realidades com sua liberdade?

Não me lembro mais em que contexto eu disse isso. Suponho que quis dizer que não se muda a realidade social e política com a literatura, sua contribuição para isso é muito modesta. Mas cada obra de arte é uma realidade nova, uma contribuição à cultura de um país, e talvez seu maior papel seja esse.

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