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sexta-feira, 29 de julho de 2011

Começou o declínio do império?




Por UNISINOS


Parece que nada mais resta para os norte-americanos do que um cenário de austeridade que questiona o seu estilo de vida e alimenta riscos de tensões sociais e políticas. O comentário é de Mario Rapoport e Noemí Brenta, autores do livro Las grandes crisis del capitalismo contemporáneo (sem tradução para o português), em artigo para o Página/12, 25-07-2011. A tradução é do Cepat.

Eis o artigo.

Começou o declínio do império? É muito cedo para afirmar, mas o modelo econômico dos Estados Unidos, com sérios problemas, parece ter encontrado seu limite e se encaminha para um doloroso ajuste. O déficit fiscal dos EUA retornou na primeira administração de George W. Bush, após o superávit herdado de Clinton. O aumento do déficit com Bush está associado ao gasto militar, que passou de 371 a 735 bilhões entre 2000 e 2008 e aos cortes de impostos para os ricos.

Desde a crise do subprime, a transferência para a área social necessária para atender parcialmente o desemprego e a pobreza aumentou o gasto público; mas aumentou ainda muito mais com os planos de resgates de Bush e Obama de 700 e 900 bilhões de dólares, respectivamente, para os bancos e empresas em dificuldades. Para piorar, a recessão reduziu a arrecadação de impostos em 2008 e 2009, agravando o déficit fiscal. Embora em 2010 o produto dos EUA tenha crescido 2,9 por cento, o desemprego é superior a 9 por cento, um nível muito alto em um país com baixa proteção social, ao mesmo tempo umas 200 mil famílias por mês perderam suas casas pelo não pagamento de suas hipotecas.

As receitas do governo federal em 2010 chegaram apenas a três quartos de suas despesas, o déficit acumulado e o aumento contínuo da dívida pública, que desde maio excedeu o máximo autorizado pelo Congresso chegou a 14,3 trilhões dólares, equivalente ao produto bruto estadunidense. Ainda que Obama consiga negociar colocando em marcha o ajuste das contas públicas, reduzindo o gasto com programas sociais e aumentando os impostos (menos isenções para os ricos e, provavelmente, um IVA nacional), o resultado imediato dessas medidas será a redução da produção e do emprego com risco de agravamento dos conflitos sociais.

Contudo, esse seria o “melhor cenário”, supondo que o ajuste realmente funcione e reduza o déficit, ou seja, que a reforma tributária compense a queda de arrecadação. Lembramos que quando em setembro de 2001 o governo argentino apresentou o “déficit zero”, a arrecadação de impostos baixou uns 30 por cento no trimestre posterior, aumentando o déficit fiscal e o produto interno em 11 por cento. O sofrimento humano foi ofertado no altar dos credores como prova da vontade de se pagar a qualquer custo, mas essa estratégia não trouxe recompensas para o bem estar geral e tampouco evitou o default. Até aqui, nada de novo sob o sol.

O Federal Reserve tampouco pode continuar injetando dólares em quantidade como vinha fazendo até agora, não apenas porque os juros são quase zero, mas também porque, por outro lado, os dólares emitidos se voltam contra os títulos do Tesouro, que são por sua vez dívida pública. A superliquidez em dólares alimenta bolhas nos mercados especulativos mundiais, entre eles, os de matérias primas (que sobem, além disso, por outros fatores) debilitando o dólar e este é um é um dos objetivos procurado pelo governo dos EUA, já que melhora a competitividade de suas exportações e encarece suas importações, aliviando também o déficit do comércio exterior desse país. Mas o principal mercado dos Estados Unidos que é a União Europeia também se encontra com problemas e a principal moeda contra a qual o dólar precisa se enfraquecer, que é euro, tampouco consegue “ficar de pé”, e até mesmo a sua sobrevivência está ameaçada. Tudo isso configura um terreno de fortes turbulências no sistema monetário internacional.

Durante trinta anos, os Estados Unidos subsidiaram o crédito não apenas do aumento do consumo das famílias – que se endividaram enquanto caia sua renda e agora já não podem nem fazer frente aos seus passivos e tampouco continuar se endividando ou consumido –, como também de um aparato militar desmesurado em relação as demais potências mundiais que estende o seu poderio por todo o planeta para proteger os interesses estratégicos estadunidenses e de suas empresas e investimentos. Mas agora, o atoleiro da economia americana coloca em xeque o dólar como refúgio seguro.

Além das grandes compras de títulos do Tesouro por parte do Fed, os grandes investidores estrangeiros, começando pela China (os outros mais importantes são Japão, Alemanha e Grã-Bretanha), já começam a olhar com desconfiança a emissão de títulos do Tesouro americano por sua baixa remuneração e os riscos que começam apresentar. Uma inflação em dólares liquidificaria o valor real da dívida estadunidense, mas o mundo mudou desde os anos 70 e 80, quando isso era possível.

O peso dos BRIC, a intensificação do comércio Sul-Sul, a amarga experiência da dívida externa e das crises na América Latina, Ásia e Rússia, tornam muito mais difícil para os Estados Unidos aliviar sua carga transferindo o ajuste para a periferia. Tampouco os Estados Unidos pode contar com a ajuda do Japão, como aconteceu nos anos 80 a partir dos acordos monetários que leveram à crise o país asiático que já leva vinte anos de dificuldades econômicas, sua divída é de 200% do PIB e, além disso, enfrenta os percalços do terremoto.

Em novembro de 2010, Dagong, a qualificadora oficial da China diminuiu o rating da dívida dos Estados Unidos de AA para A +, afirmando que "falhas graves no desenvolvimento econômico dos Estados Unidos e seu modelo de administração levarão a uma recessão de longo prazo de sua economia, reduzindo os fundamentos do seu crédito soberano” e que a política de dinheiro fácil do Reserve Federal, em busca de uma tendência de depreciar o dólar contra os interesses dos credores, indica o declínio das intenções do governo dos EUA para pagar sua dívida.

Poucos meses depois, em abril, a Standard & Poors também qualificou de negativo o panorama da dívida americana, com base no risco real de que os decisões políticas podem não chegar a um acordo sobre o déficit orçamentário, debilitando seu perfil fiscal em comparação com outros países cuja dívida é avaliado como AAA. Parece que nada mais resta para os norte-americanos do que um cenário de austeridade que questiona o seu estilo de vida e alimenta risco de tensões sociais e políticas e políticas em um país que faz tempo que não encontrava tão dividido.

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