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segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Ao mesmo tempo, tão perto e tão longe-Pedagogia Revista Nova Escola


O recente número da revsita faz críoticas a formação do Pedagogo, ediçaõ do mês
Ao mesmo tempo, tão perto e tão longe
O currículo dos cursos de Pedagogia, principal entrada na profissão, não contempla o "quê" e o "como" ensinar nem prepara para a realidade escolar, revela pesquisa da Fundação Carlos Chagas para NOVA ESCOLA
Thais Gurgel

O professor, por excelência, é o profissional que sabe ensinar e tem domínio sobre os conteúdos que leciona. Aparentemente óbvios, esses preceitos infelizmente não se confirmam no dia-a-dia, e a maior causa disso é a formação inicial. O curso de Pedagogia, que deveria garantir a competência de quem leciona na Educação Infantil e nas primeiras séries do Ensino Fundamental, forma profissionais despreparados para planejar, ensinar e avaliar. O resultado é a péssima qualidade da Educação no país.

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Um curso que tem como missão formar profissionais tão diversos como professores de diferentes segmentos, além de coordenadores pedagógicos, gestores, supervisores de ensino e pesquisadores, não tem como prioridade no currículo o "quê" e o "como" ensinar determinadas faixas etárias. Segundo a pesquisa realizada pela Fundação Carlos Chagas para NOVA ESCOLA, apenas 28% das disciplinas dos cursos ministrados em todo o país se referem à formação profissional específica - 20,5% a metodologias e práticas de ensino e 7,5% a conteúdos (veja o gráfico desta página).

Faltaram didáticas
Foto: Fernando Vivas


Elaine Oliveira, professora da rede municipal de Salvador, BA

Quando começou a trabalhar com uma turma de 1ª série em Salvador, há dez anos, Elaine Oliveira não estava preparada para essa difícil tarefa. Apesar de ter estudado as hipóteses de escrita, ela não sabia o que fazer com a informação quando se deparava com os textos escritos pelas crianças. "Não tinha claro quais atividades propor para que cada uma delas avançasse", conta. " Ficava frustrada por não conseguir usar em sala de aula conhecimentos tão importantes para o trabalho com essa fase." Nas aulas de Matemática, o problema era igualmente grave. Além da didática, conteúdos da disciplina, como o trabalho com sistemas de numeração, também ficaram de fora das aulas durante a graduação.

"Não aprendi os conteúdos de Matemática nem como alfabetizar."

"Muitos dos futuros educadores não dominam esses conteúdos, e cabe à faculdade considerar os conhecimentos dos ingressantes e suprir essas lacunas", diz Gisela Wajskop, doutora em Educação e diretora do Instituto Superior de Educação de São Paulo - Singularidades. Na Argentina, um país reconhecido por desenvolver de forma articulada a investigação didática e projetos de formação docente, as disciplinas do currículo voltadas a "o quê" e "como" ensinar correspondem a 65,2% do currículo do curso.

No Brasil, grande parte da carga de matérias da Pedagogia - 42% do total - é voltada para o funcionamento dos sistemas educacionais e os fundamentos da Educação (História, Psicologia da Educação etc.). Uma boa base teórica em humanidades é fundamental, mas não o suficiente (leia os depoimentos nesta página e nas seguintes). "A graduação deve ajudar os professores a se servir de conhecimentos teóricos para ref letir sobre o cotidiano - o que não acontece hoje", afirma Elisabete Monteiro, da Universidade do Estado da Bahia (Uneb).

A formação de professores no Brasil
1939
O curso de Pedagogia é regulamentado. Os bacharéis podem atuar na administração pública e na área de pesquisa. Os licenciados, com um ano de estudos em Didática e Prática de Ensino, podem lecionar no ginasial.

1961
Cria-se um currículo mínimo para o bacharelado em Pedagogia, com sete disciplinas determinadas pelo Conselho Federal de Educação, além de outras duas abertas, definidas a critério das próprias instituições de ensino.

1962
O estágio supervisionado e o currículo da licenciatura em Pedagogia são regulamentados. O curso passa a ter entre as disciplinas obrigatórias Psicologia da Educação e Didática e Prática de Ensino.

1968
É aprovada a Lei da Reforma Universitária, que possibilita aos cursos de Pedagogia oferecer as habilitações Inspeção Educacional, Administração, Orientação e Supervisão Escolar e Magistério.

1969
Acaba a divisão entre licenciatura e bacharelado na Pedagogia. As instituições são obrigadas a formar no mesmo curso os professores que vão lecionar nas Escolas Normais e os "especialistas", como supervisores e inspetores.

1971
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) unifica o Ensino Médio, antes dividido em Clássico, Científico e Normal. A Escola Normal passa a se chamar Magistério e os que nela se formam mantêm o direito de lecionar da 1ª à 4ª série.

Raízes históricas
A história da formação docente no país ajuda a entender a ênfase do curso de Pedagogia, em fundamentos da Educação (leia a linha do tempo abaixo). Desde antes da República, os professores primários eram colocados no mercado pelas Escolas Normais de nível médio e assim permaneceu após a criação do superior de Pedagogia, que tinha como foco preparar especialistas e pesquisadores em Educação, mas nada relacionado à prática.

Essa trajetória voltada para as humanidades fez surgir um impasse quando, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, ficou definido que em dez anos o diploma do Normal médio não seria mais suficiente para lecionar e que Institutos Superiores de Educação (ISEs) e Escolas Normais Superiores formassem professores da Educação Básica com foco na prática docente. "Houve um embate entre os ISEs e as faculdades de Pedagogia, que também lutavam por esse mercado", explica Bernardete Gatti, coordenadora do departamento de pesquisas educacionais da Fundação Carlos Chagas. Essas últimas levaram a melhor e os ISEs se adaptaram ou fecharam.

Concursada, mas perdida
Foto: Marcos Rosa


Daniela Arco e Flexa, professora da rede municipal de São Paulo, SP

Durante o curso de Pedagogia, concluído em uma faculdade particular da capital paulista, Daniela não aprendeu a trabalhar com crianças de Educação Infantil. Mesmo assim, recém-formada, ela foi aprovada em um concurso da rede municipal de São Paulo para trabalhar com turmas de até 3 anos. Ao chegar à sala de aula, se deu conta de que não dominava questões fundamentais para a rotina profissional. "Não sabia nada sobre os cuidados, que incluíam a alimentação e o banho, nem que atividades propor a crianças tão pequenas. Nessas situações, o acompanhamento pedagógico é essencial, mas não tive esse apoio."

"Ao longo do curso, tive pouquíssimas aulas sobre Educação Infantil."


As Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia, de 2006, não ajudaram a definir o que se espera do curso. O resultado é um currículo fragmentado, como mostra a pesquisa. Nos 71 currículos analisados, foram identificadas 1.968 disciplinas diferentes sem correspondente em nenhuma outra instituição.

A prática de sala de aula está em segundo plano no currículo. "As faculdades de Pedagogia não discutem os problemas da escola, só os tangenciam", diz Bernardete. "Há que levar em conta que muitos docentes universitários nunca lecionaram na Educação Básica", acrescenta. "Mesmo os poucos pós-graduandos que estudam práticas de ensino não levam para a rede o que defendem na teoria", diz Estela Giordani, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul. Essa distância da realidade escolar se evidencia na análise das ementas dos cursos de Pedagogia na pesquisa: apenas 8% delas citam a palavra "escola".

Mais ausentes ainda das faculdades de Pedagogia estão as didáticas específicas: saberes que tratam da interação entre professor, aluno e objeto de estudo, ou seja, as relações de ensino e aprendizagem de cada conteúdo para cada faixa etária (leia o quadro na página ao lado).

A proposta é que, pela reflexão, se abram novos caminhos para a prática docente e se evite a simples reprodução do modo de ensinar conhecido na infância e na universidade. "Os professores precisam produzir respostas próprias, e não ‘inventar’ o que já se sabe", afirmou Delia Lerner em entrevista à NOVA ESCOLA, em setembro de 2006.

A formação de professores no Brasil
1982
Surgem os Centros Específicos de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério (Cefams), criados pelo governo federal para aprofundar a formação de professores em nível Médio com carga horária em período integral.

1986
O Conselho Federal de Educação cria uma resolução que permite aos cursos de Pedagogia, além de formar os técnicos em Educação, oferecer habilitação para a docência de 1ª a 4ª série, antes limitada ao Magistério em nível Médio.

1996
Com a nova LDB, institui-se a exigência de nível superior para os professores da Educação Básica. Redes públicas e privadas e profissionais da Educação têm prazo de dez anos para se adaptar à nova legislação.

1997
O ano marca o início de uma disputa: de um lado, Institutos Superiores de Educação e Escolas Normais Superiores e, do outro, Faculdades de Pedagogia. Professores de 1ª a 4ª série são formados sem diretrizes claras.

2003
O Conselho Nacional de Educação emite resolução e nota de esclarecimento confirmando a obrigatoriedade do diploma em nível superior para a docência na Educação Infantil e séries iniciais, o que já fora instituído na LDB de 1996.

2006
Saem as Diretrizes Nacionais para a Pedagogia, de caráter vago. E as Diretrizes Nacionais da Educação delegam ao curso a formação de professores de 1º a 5º ano, Educação Infantil, Ensino Médio na Modalidade Normal e EJA.

FONTES HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DOCENTE NO BRASIL: TRÊS MOMENTOS DECISIVOS, DE DERMEVAL SAVIANI, E DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA O CURSO DE PEDAGOGIA


Modalidades de ensino
Os formados em Pedagogia podem atuar em diferentes segmentos: Educação Infantil, séries iniciais, Educação de Jovens e Adultos (EJA) e em contextos não escolares, como organizações não-governamentais. Para dar conta de tão diversas modalidades de ensino, o curso tem apenas 11% das disciplinas. Para o trabalho com crianças de até 5 anos, segundo a pesquisa, há em média apenas duas disciplinas. Cerca de 29% das universidades federais e 11% das privadas não oferecem matérias relacionadas ao segmento. A situação não é menos crítica em relação à EJA, abordada em 1,5% das disciplinas. "As especificidades da prática nas diferentes modalidades de ensino são tratadas de forma insuficiente e isso é percebido quando os formados chegam à sala de aula", diz Elisabete Monteiro, da Uneb.

Se a ênfase da graduação não está na prática profissional, ao menos nos estágios obrigatórios os futuros mestres poderiam se ver inseridos no ambiente escolar. Propostas consistentes de estágio, porém, ainda não estão presentes no curso. Hoje, a lei manda que o estudante de Pedagogia cumpra no mínimo 300 horas de estágio em instituições de ensino: nada mais fica claro sobre como deve ser essa experiência, fundamental para o educador.

Caos no estágio
Foto: Hermínio Oliveira


Monica Fonseca, estudante de Pedagogia de Brasília, DF

O batismo de Monica Fonseca na condução de uma sala de aula não foi diferente do de muitos professores. Além de não conhecer bem o que cabe ao professor ensinar e de que forma, ela não estava preparada para comandar um grupo de cerca de 30 crianças. E, o pior, cumprindo estágio em uma escola pública de Brasília, soube que substituiria a titular da turma. "Deram-me exercícios em papel mimeografado e me mandaram para a sala de aula. Eu não sabia nada sobre como intervir e nem havia planejado nada. A classe ficou agitadíssima e eu quase comecei a chorar." Ela levava os dilemas para os encontros com a orientadora na faculdade, mas saía de lá sem soluções.

"A escola que encontrei não me foi apresentada durante a faculdade."

A observação seguida de relatório é a atividade cumprida com mais freqüência pelos estagiários. Poucas vezes, no entanto, eles são suficientemente orientados sobre como relacionar o que foi visto em aula à teoria estudada na faculdade. É freqüente, assim, que eles vejam de forma pouco crítica a prática dos educadores com que tomam contato e, se identificam problemas, não conseguem propor soluções. O choque com o cotidiano costuma ser a tônica dessa etapa. "Cria-se ao longo do curso um modelo idealizado de ensino e desconstruí-lo é difícil", diz Estela Giordani, da UFSM.

Para enfim vivenciar como profissional a realidade da rede pública de ensino, o formado em Pedagogia muitas vezes presta um concurso público. Dados obtidos na pesquisa da Fundação Carlos Chagas demonstram que 57,1% dos editais não trazem bibliografia. A análise das que foram encontradas demonstra que o conhecimento exigido de quem leciona de 1º a 5º ano em redes estaduais e municipais está bem próximo do curso oferecido pelas faculdades de Pedagogia. As leituras pedidas sobre "o quê" e "como" ensinar nas provas correspondem a 32% do total, enquanto aspectos gerais da Educação, legislação e currículo somam 63%.

Maria Auxiliadora Seabra Rezende, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação, aponta para a necessidade de diretrizes que dêem a estados e municípios suporte para a realização das provas de seleção. O ideal, de acordo com ela, seria que os concursos trouxessem questões mais relacionadas à sala de aula, criando uma demanda para as próprias faculdades de Pedagogia. Alguns estados tentam aproximar a escola do ensino superior, mas esbarram na autonomia universitária. "A universidade precisa se conscientizar de seu papel para que a Educação avance", conclui Maria Auxiliadora.

A boa graduação
Segundo os especialistas, o curso de Pedagogia eficiente...

Valoriza as didáticas específicas
Esses saberes devem ter destaque, pois são eles que dão a base para um ensino que garanta a aprendizagem das crianças. "Só com a apropriação do conhecimento didático - baseado em pesquisa sobre a prática docente - é possível instrumentalizar o profissional para ensinar bem História, Ciências ou qualquer outra disciplina", diz Gisela Wajskop. (Em novembro, NOVA ESCOLA vai trazer reportagem sobre como o conhecimento didático é produzido e aproveitado em classe.)

Promove estágios supervisionados
A primeira experiência em sala de aula é um importante campo para a reflexão sobre a prática e deve ocorrer ao longo do curso. Na Argentina, o estágio é marcado pela forte interação entre a escola e a instituição formadora. Em Buenos Aires, por exemplo, existe o "maestro orientador" - o titular de sala que acompanha o futuro profissional durante sua experiência na rede.

Ensina a planejar, avaliar e registrar
Para promover a aprendizagem, é necessário saber planejar as aulas, avaliar o trabalho, reorientar os próximos passos e colocar tudo no papel. "A escrita de projetos, relatórios e textos acadêmicos também faz parte da rotina docente - embora ainda esteja longe dos currículos", diz Magdalena Viviani Jalbut, coordenadora do Instituto Superior de Educação Vera Cruz, em São Paulo.

Contempla os segmentos de ensino
Dar mais peso às características dos segmentos assegura a competência para atuar em cada um deles. "Com informações sobre o ambiente educacional, é possível organizar o espaço e o tempo em sala de aula, determinar os conteúdos a ensinar e escolher como trabalhá-los com cada aluno", afirma Magdalena.

http://revistaescola.abril.uol.com.br/ed_anteriores/0216.shtml

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